Poucos atacantes encarnaram o espírito de bad boy com o apetite de Edmundo Alves de Souza Neto. Um dos astros do futebol brasileiro na década de 1990, o camisa 7 entrou para a história como um dos maiores ídolos do Vasco da Gama e do Palmeiras, mas nunca conseguiu repetir o brilho que apresentava nos clubes com a camisa da Seleção Brasileira.
Ao mesmo tempo que arrebentava nos campos, Edmundo colecionou episódios polêmicos em sua vida pessoal.
Na entrevista a seguir, concedida no flat onde vive em São Paulo, o atual comentarista da Rede Bandeirantes não fugiu de perguntas sobre o acidente automobilístico em que se envolveu em 1995, no Rio de Janeiro. Confira:
ISTOÉ – O que você sente quando vê as imagens das brigas nas quais se envolvia durante os jogos?
Edmundo – Não me arrependo do que fiz em campo. Podendo evitar, ótimo (risos), mas faria tudo de novo. No dia a dia sou tranquilão, não caio em provocação. Também sou totalmente paciente no trânsito. Apesar de o rótulo negativo ter ficado muito forte, hoje conheço alguém e depois escuto: ?Pô, como você é diferente.?
ISTOÉ – Por que você não se destacou na Seleção Brasileira?
Edmundo – Fui convocado 69 vezes e não consegui mostrar o meu melhor futebol. Não foi frustrante só para mim, e sim para o Brasil inteiro. Peguei a entressafra entre a geração de Bebeto e Romário e a seguinte. E aí não superei o Ronaldo, o Ronaldinho Gaúcho e a turma que veio depois. Tive a oportunidade de ficar na Itália e no Japão, mas acabei voltando para cá, onde fui massacrado pelos meios de comunicação, perseguido e prejulgado. Mas estou de pé, com saúde e com a minha família.
ISTOÉ – Ainda existe algum segredo sobre os acontecimentos antes da final da Copa de 98?
Edmundo – Um dos maiores defeitos do brasileiro é achar que sempre tem sacanagem na história. Só posso falar do que vi. O que houve foi um encontro de coincidências ruins. Dizem que o Ronaldo poderia ter morrido se eu não tivesse percebido que ele estava tendo uma convulsão. Isso me deixa até lisonjeado. O que aconteceu naquela concentração tirou todo mundo do prumo.
ISTOÉ – Você se preparou para virar comentarista?
Edmundo – Quando parei de jogar, comprei uma sala e montei um escritório para ser empresário de jogadores. Mas o momento era ruim porque empresas como a Traffic e o Grupo Sondas entraram no mercado. Aí, depois de uma conversa com o Ronaldo (Giovanelli, ex-goleiro do Corinthians), que já era comentarista, meu nome foi indicado para trabalhar em alguns jogos na Rede TV!. Depois de quatro meses, fui convidado para ir para a Bandeirantes, onde estou até hoje.
ISTOÉ – Quem é mais difícil, Neto ou Milton Neves?
Edmundo – O Milton Neves é mais mala. O Neto é boleiro, fala a minha língua. Acho que eu funciono como um ponto de equilíbrio. Você sabe, a nossa briga é injusta. Na Bandeirantes, herdamos a audiência em traço. Na concorrência, o esporte pega a novela com 40 pontos no ibope.
ISTOÉ – Como você avalia a atuação de Romário como deputado?
Edmundo – Fui convidado para entrar na política com ele. A ideia era fazer uma dobradinha, ele como deputado federal e eu como estadual pelo PSB. Num primeiro momento eu achei legal, mas recebi um monte de críticas. Como eu já estava trabalhando como comentarista, coloquei na balança e abandonei a história. Pensei que o Romário iria fazer o mesmo por causa do seu temperamento. Ele nunca foi político no trato, não achava que iria dar certo. Mas estou muito satisfeito com o seu desempenho na Câmara.
ISTOÉ – Em que pé está a sua relação com o Vanderlei Luxemburgo? E o processo que você move contra ele?
Edmundo – Emprestei o dinheiro para ele (R$ 400 mil) em 1996. Três anos depois, o Vanderlei foi para a Seleção e eu fiquei com receio de cobrar, queria ir para a Copa. Só fui colocar o caso na Justiça dez anos depois. E aí a imprensa divulgou a história. Em vez de pegar o telefone para conversarmos, ele deu uma coletiva e me chamou de mau-caráter, de vagabundo. Fiquei tranquilo e mostrei que estava surpreso com as declarações do Luxemburgo, alguém que eu já tinha chamado de pai. Até o caso ir para a Justiça, eu era considerado um filho, o melhor do Brasil, o querido. Ele é enrolado, mas não acho uma má pessoa. Só o Vanderlei pode resolver essa situação, pagando o que deve e colocando a história para trás.
ISTOÉ – Como foi o acidente em que você se envolveu no final de 1995?
Edmundo – Lembro de tudo. Fomos a uma choperia onde, eu juro, não bebi nada. Até tomava alguma coisa na balada para ficar com coragem de chegar em uma garota, mas bebida nunca foi o meu forte. Depois paramos num bar, onde tomei um chope e uma água. Quando eu estava indo para uma boate com um amigo, acabei dando carona para duas meninas. E foi nesse percurso que houve o acidente. Talvez por eu estar conversando, distraído, não vi que um carro entrou na minha frente em uma curva acentuada. E aí capotamos, causando a morte de duas pessoas que estavam em outro carro e de uma menina que estava conosco. Não quero fazer acusações, e sim me defender, mas ninguém falou que o menino que morreu não tinha carteira de motorista, por exemplo.
ISTOÉ – Que lições ficaram?
Edmundo – Minha vida mudou radicalmente. Passei a ser uma pessoa melhor, a ter outros valores. Sofri muito com a dor das famílias dos envolvidos, mas graças a Deus todo mundo entendeu que foi uma fatalidade. Tentei fazer tudo o que estava ao meu alcance. Paguei indenizações absurdamente altas, e esse dinheiro nunca me fez falta.
ISTOÉ – Como está o processo, depois da sua prisão em junho?
Edmundo – A prescrição do crime é um direito constitucional. O problema é quem vai assinar essa prescrição. O juiz que me condenou pela primeira vez disse para o meu advogado que chegou à pena depois de ler uma nota na coluna do Ancelmo Gois (no jornal ?O Globo?). Ela dizia que o Eurico (Miranda, ex-presidente do Vasco) tinha pago US$ 1 milhão para me livrar. Isso não é verdade, faço questão de dizer. Aí o juiz ficou naquela situação. Eu estava pronto para pegar a pena máxima, que poderia ser revertida em cestas básicas. Foi isso que aconteceu, mas fui condenado com agravantes, algo que não é aplicado em acidentes de trânsito, em casos de homicídio doloso. Eu era réu primário, sem antecedentes, e tudo poderia ter sido encerrado há 15 anos. O caso foi a Brasília e voltou para o Rio de Janeiro, onde ninguém assina a prescrição. Agora, tudo volta e meus filhos sofrem.
ISTOÉ – Como foi a sua prisão?
Edmundo – Eu estava na minha casa, esperando que o meu advogado conseguisse uma liminar. Aí os policiais chegaram, fui encaminhado à delegacia e fiz todos os procedimentos necessários. Mas gostaria de dizer que fui tratado de forma diferente. Minha pena é de prisão semiaberta e a polícia não poderia vir à minha casa no meio da noite. Meu advogado é muito competente e deixo o caso nas mãos dele. Digo sem receio: cumpro a pena no semiaberto sem problemas, desde que a lei seja respeitada. Estou pronto para isso. Não tenho medo. Aceito a pena, mas só se for o justo, se ela for aplicada a todos na mesma situação que eu.
ISTOÉ – Como está o relacionamento com Alexandre, de 16 anos, seu filho com a modelo Cristina Mortágua?
Edmundo – Infelizmente, ainda não consegui ser pai do Alexandre em tempo integral. Ele é um moleque do bem. Estamos tendo a oportunidade de compreender um ao outro. Depois que ele teve um problema com a mãe, aquela briga, a Justiça mandou que fizéssemos terapia. Mas sempre fui pai do Alexandre. Na verdade, tive esse papel com os meus filhos, os meus pais e a minha família inteira.
ISTOÉ – A mãe do Alexandre disse que ele usa drogas. Você já falou com ele sobre isso?
Edmundo – Ele me garantiu que não consome nada. Ninguém vai me enganar, meu irmão usou drogas por 15 anos. O Alexandre não conseguiria me enrolar. Acho que a mãe dele estava desesperada porque o garoto acordou para a situação. Ela não trabalha e sempre viveu da pensão do menino. Agora ele quer ter liberdade, quer viver a vida e seguir o seu caminho. Eu respeito, admiro e apoio.
ISTOÉ – Como você reagiu quando o Alexandre assumiu que era homossexual nas páginas de uma revista gay?
Edmundo – Para mim, ele não assumiu. Mas vejo traços. Pode ser coisa de pai enganado, mas tanto eu quanto a terapeuta não temos certeza disso. Talvez seja uma fuga, uma consequência da convivência apenas com a mãe, que é muito afetada. Não vejo problema com a opção sexual dele, só falo que ele tem de ser íntegro, honesto e trabalhador. Até porque a opção sexual é algo íntimo demais. Só acho que tem que ser algo discreto. O garoto vai fazer 17 anos, ainda é uma criança.
ISTOÉ – Voltando ao futebol, o Neymar é mesmo o cara?
Edmundo – É muito cedo para jogar toda a responsabilidade em cima dele. Dentro de um time forte, de um bom elenco, ele é o cara que vai se destacar e se sobressair. Esse é o maior desafio da Seleção. Meu único medo é que o Neymar perca o foco.
ISTOÉ – E o técnico Mano Menezes, dura até a Copa de 2014?
Edmundo – Tenho dúvidas. Não dá para esperar mais, temos que ganhar essa Copa. Gosto do estilo do Mano, ele tem um modo de agir parecido com o meu ? não se abate nas derrotas nem se empolga muito quando está por cima. Só que a pressão é muito grande. É aquela coisa: os dois cargos mais importantes do Brasil são o de presidente da República e o de técnico da Seleção.
ISTOÉ – Vamos passar vergonha com a Copa feita no Brasil?
Edmundo – Não, vamos nos orgulhar muito. Estive em duas Copas, na França, em 1998, e na África do Sul, no ano passado. Sei que o Brasil está preparado, mesmo com os estádios ainda em obras. Só acho uma coisa: nada contra o Corinthians ou o Andrés (Sanchez, presidente do clube), mas acho que o Morumbi deveria ter sido reformado para receber a abertura da Copa em São Paulo. Tínhamos de contar com o charme daquele estádio. A briga política foi muito feia.