Um município no interior do Piauí ganhou a fama de capital da Matemática após centenas de estudantes da pequena cidade de Cocal dos Alves, de pouco mais de 6 mil habitantes, conquistarem, em 18 anos, nada menos do que 299 medalhas na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas e Privadas (OBMEP).
Só entre 2016 e 2018, foram 22 medalhas de ouro conquistadas por estudantes da cidade – elevando para 55 medalhas douradas entre 2005 e 2023. Além disso, os estudantes de Cocal dos Alves também levaram, no mesmo período, 101 medalhas de prata e 143 de bronze.
Entre as muitas histórias de medalhistas, está a de Rickelmy de Brito Pereira, de 23 anos, um estudante que conquistou uma bolsa e se formou em Matemática. Depoism ele voltou para a mesma escola em que estudou, mas desta vez, como professor (veja mais abaixo as histórias).
Neste sábado (19), foram aplicadas em todo o Brasil, para 900 mil estudantes, as provas da 2ª fase da OBMEP 2024, que está na 19ª edição, e vai entregar 8.450 medalhas, além de 50 mil menções honrosas a alunos de escolas públicas e privadas neste ano (veja mais abaixo).
Como cidade se tornou a capital da Matemática
Quase todas as medalhas em Cocal dos Alvos foram conquistadas por alunos do Centro Estadual de Tempo Integral Augustinho Brandão (Ceti Augustinho Brandão), mas outras duas escolas municipais também já tiveram campeões: a Unidade Escolar Teotônio Ferreira Brandão e a Escola Municipal Rosemira Siqueira Cardoso.
Os estudantes da escola Augustinho Brandão começaram a participar da Obmep já na primeira edição, em 2005. Antônio Amaral na época era o único professor de matemática da cidade, e relembra que só ficou sabendo da prova porque trabalhava na prefeitura.
“Naquela época não tinha internet, era difícil a gente ficar sabendo dessas coisas. Então, inscrevi as duas escolas”, contou.
A iniciativa já começou dando certo, mas naquele primeiro momento, nem todos os estudantes embarcaram no desafio. “Poucos foram os alunos que aderiram no começo, mas esses poucos conseguiram conquistar duas medalhas de prata e uma de bronze”, relembrou o professor Amaral.
O resultado foi inspirador. Na edição de 2006 veio a primeira medalha de ouro, conquistada por Sandoel Vieira, um estudante que havia recebido uma menção honrosa em 2005. A partir daí, os estudantes da cidade conquistaram medalhas de ouro em todas as edições da Obmep, com exceção de 2008.
O trabalho de preparação para a Obmep se tornou uma política da escola Augustinho Brandão, desde 2010. O professor passou a dedicar uma aula por semana para a preparação, e nos anos seguintes, a fazer revisões aos sábados, de forma voluntária.
“Não existe uma metodologia inovadora. Dou aulas como devem ser. Os alunos que prestam atenção e tiram todas as dúvidas. Em relação à olimpíada, nós temos aulas preparatórias aos sábados, entre a primeira e a segunda fase”, afirma o professor Raimundo Alves.
Para ele, o esforço dos próprios estudantes também tem sido chave para os bons resultados. “É um esforço deles, até porque eles costumam ser bons em todas as disciplinas, mas fico muito feliz em contribuir de alguma forma nas conquistas da Obmep”, conta o professor.
Segundo o diretor da escola, Darkson Vieira, o esforço dos professores e os exemplos dos colegas veteranos foi o que sedimentou nos alunos a certeza na matemática como um caminho para a universidade e para a realização de sonhos.
“O grau de maturidade dos alunos é tão grande em relação a isso que eles sabem que a preparação em si para a Obmep vai potencializar os estudos, que vão conseguir uma nota 900 no Enem, que vão passar no curso que eles quiserem”, comentou o diretor.
O colégio Augustinho Brandão recebe alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, enquanto a escolas municipais Rosemira Siqueira Cardoso oferta a Educação Infantil, de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, e a Teotônio Ferreira Brandão conta com os anos finais (6º ao 9º) do Ensino Fundamental.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Cocal dos Alves era de 6.386 pessoas no Censo de 2022. A cidade, que fica a 281 km da capital Teresina, era um povoado de Cocal, cidade vizinha, até ser emancipada em 1995.
O medalhista que virou professor
Ao chegarem aos 18 anos, após completarem o ensino médio, muitos jovens de Cocal dos Alves costumam deixar a cidade em busca de formação acadêmica, emprego, e oportunidades melhores do que as que a cidade oferece.
Mas, a partir de 2003, quando os alunos das primeiras turmas do Ceti Augustinho Brandão começaram a conquistar vagas em vestibulares, eles passaram a enxergar futuro no município.
Assim, sair de Cocal dos Alves em busca de emprego não foi necessário para Rickelmy de Brito Pereira, de 23 anos. Ele foi três vezes campeão da Obmep, nos anos de 2016, 2017 e 2018. Com as medalhas, ele conseguiu uma bolsa de estudos na Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), pertinho de casa. Ao concluir a graduação de licenciatura em matemática, ele retornou ao Ceti Augustinho Brandão, mas dessa vez como professor da disciplina.
“A partir da conquista de uma medalha nessa olimpíada, consegui uma bolsa na UFDPar onde cursei Licenciatura em Matemática. Essa bolsa ofertada contribuiu bastante para a minha permanência na universidade. Concluí o curso recentemente e tive a oportunidade de retornar para a escola que me proporcionou tudo isso, agora como professor de matemática e colega de profissão dos meus professores do ensino fundamental e médio”, relatou o professor ao g1.
O jovem professor contou ainda que agora atua nas preparações dos alunos para a Obmep, junto com o professor Raimundo Alves, que o auxiliou durante o ensino médio.
“Hoje também sou professor nas preparações da OBMEP, colega de profissão do professor Raimundo, que foi meu professor nas preparações para a olimpíada na escola e uma das minhas inspirações para me tornar professor de matemática”, comentou.
‘A preparação é a base’, diz aluno que conquistou 4 medalhas
Pedro Vitor, de 18 anos, conquistou quatro medalhas da Obmep incluindo uma, de ouro, em 2021. Cursando o terceiro ano do ensino médio, ele creditou seus professores como responsáveis pelas realizações na olimpíada.
“A preparação sempre foi a base. Claro que sem o esforço pessoal, o desejo de conquistar, nada iria pra frente. Mas ter professores excelentes, que estejam dispostos a te ajudar muito e te dar todo o apoio que você necessita é espetacular. A medalha não só nos oferta uma bolsa de iniciação científica da CNPq, mas também nos ajuda a abrir os olhos para nosso potencial e capacidade.
“Uma medalha abre portas em nossas vidas que raramente iríamos conseguir sem ela”, declarou o jovem.
Medalha de ouro e faculdade de graça
Outro medalhista de ouro da Obmep, em 2023, o estudante Alex Vieira, de 18 anos, conseguiu entrar no programa de graduação do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), o Impa Tech.
Graças à medalha conquistada, Alex pôde se mudar para o Rio de Janeiro e cursar o bacharelado de Matemática da Tecnologia e Inovação, sem qualquer custo.
“Isso foi graças a minha escola de Ensino Médio, que embora seja pública e do interior do Piauí, mudou o rumo da minha vida escolar. É costume da escola oferecer preparações para a Obmep, o que foi muito importante para mim. Fez eu gostar mais de matemática e ver os professores como exemplos”, destacou o estudante.
‘O resultado vem dos exercícios, da preparação’, diz professor
Quase todas as medalhas em Cocal dos Alvos foram conquistadas por alunos do Centro Estadual de Tempo Integral Augustinho Brandão (Ceti Augustinho Brandão), mas outras duas escolas municipais também já tiveram campeões: a Unidade Escolar Teotônio Ferreira Brandão e a Escola Municipal Rosemira Siqueira Cardoso.
O colégio Augustinho Brandão recebe alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, enquanto a escola Rosemira Siqueira Cardoso oferta a Educação Infantil, de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Já o colégio Teotônio Ferreira Brandão conta com os anos finais (6º ao 9º) do Ensino Fundamental.
Segundo o professor Amaral, os estudantes de Cocal dos Alves não são “especialmente talentosos em matemática”. O que acontece é que, atualmente, é alta a adesão dos estudantes aos programas de estudos ministrados pelos professores.
“A gente percebeu que o mais difícil é gerar o sentimento de acreditação. Quando o aluno acredita, é suficiente para fazer tudo o que está planejado pelo professor. O resultado vem dos exercícios da preparação, do que é planejado pelo professor. Não tem muito essa coisa de ‘ganhou porque é um talento nato'”, explicou o professor.
Foi assim, segundo o professor, que os estudantes de Cocal dos Alves conseguiram desenvolver habilidades com a matemática, o que lhes coloca em vantagem no vestibular, já que a disciplina costuma ser o pesadelo de muitos estudantes.
“Como a nota média na disciplina no Brasil inteiro é muito baixa, os estudantes de Cocal dos Alves, por se destacarem em matemática, ficam acima da média”, acrescentou Amaral.
OBMEP 2024
A competição científica é promovida pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), com recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Educação (MEC).
Destinada a estudantes do 6º ano do Fundamental ao 3º ano do Médio, a OBMEP contribui para estimular o estudo da Matemática e identificar jovens talentos da disciplina.
As provas são divididas em duas fases. Neste ano, a primeira, em 4 de junho, classificou estudantes de escolas públicas e privadas inscritas na Olimpíada. Participaram da prova 18,5 milhões de alunos de todas as regiões do país.
Assim como em 2023, a OBMEP oferece neste ano 8.450 medalhas nacionais. Desse total, 650 são de ouro, 1.950 de prata e 5.850 de bronze, além de 50 mil menções honrosas. A OBMEP vai distribuir também outras 20,5 mil medalhas estaduais.
A iniciativa alcançou, nesta edição, o recorde de 56.516 instituições participantes, e atingiu a marca de 5.564 cidades (99,9% dos municípios brasileiros).
Os alunos que conquistarem medalhas nacionais são convidados a participar do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC) que propicia, por meio de encontros presenciais ou virtuais, contato com conteúdos mais profundos da Matemática, ampliando o conhecimento científico e preparando o aluno para um futuro desempenho profissional e acadêmico. Estudantes de escolas públicas, além das aulas, recebem uma bolsa de incentivo de R$ 300 para participarem do programa.
Por G1 Piauí