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Quando tempo leva para romper as fitinhas do Senhor do Bonfim?

Uma devota muito astuta percebeu, após muito tempo, que as fitinhas rompiam em momentos diferentes

Foto: Joá Souza/GOVBA

“São Salvador, Baía de São Salvador, A terra do Nosso Senhor, Do Nosso Senhor do Bonfim”, são trechos da belíssima canção “São Salvador”, lançada em 1960 pelo cantor, compositor, instrumentista, poeta, pintor e ator brasileiro Dorival Caymmi.

Ao que se sabe, as fitinhas do Senhor do Bonfim foram elaboradas pelo comerciante, livreiro, editor e tipógrafo português Manoel Antônio da Silva Serva, que havia mudado para a Bahia em 1788 e vivia do comércio de “trastes domésticos”, como conta seu tetraneto, o jornalista e administrador de empresas brasileiro Leão Renato Pinto Serva Neto.

Silva Serva foi criador do primeiro jornal publicado no Brasil, mais precisamente em Salvador, chamado “Idade d’Ouro do Brazil” (1811) e também da primeira revista nacional, “Variedades ou Ensaios de Literatura” (1812), pedidos estes feitos dois anos após a chegada da Família Real. Após seu falecimento, seus descendentes e viúva mantiveram a editora atuante até 1846, publicando dezenas de periódicos e centenas de livros.

Antes de dar os pioneiros passos rumo a edição do primeiro jornal brasileiro, que era impresso em Salvador, Silva Serva havia se tornado tesoureiro da irmandade do Senhor do Bonfim, ainda em 1809. Após perceber que alguns fiéis da Basílica do Nosso Senhor do Bonfim, inicialmente construída em 1745 e localizada na Sagrada Colina da península de Itapagipe, usavam como uma espécie de amuleto envoltos do pescoço ou mesmo chapéus, fios e cordões que mediam 47 cm, a extensão do braço da estátua de Jesus Cristo postada no altar-mor, ele pediu autorização para produzir e comercializar as hoje famosas fitas, que passaram a ser uma excelente receita para os cofres da irmandade.

Tal imagem foi resultado da promessa do capitão-de-mar-e-guerra e escravista português Theodózio Rodrigues de Faria (? – 1757), após sobreviver a um naufrágio de uma de suas naus, Nossa Senhora da Penha de França e Senhor do Bonfim, ao invocar a proteção de Cristo crucificado. Devoto, seus restos jazem no interior da igreja, que o reconheceu como primeiro benfeitor, conforme inscrito em sua lápide. Mais: a praça defronte a igreja tambem recebeu seu nome. Há tambem no teto da igreja um belo painel mostrando um grupo de marinheiros devotos erguendo uma pintura de um navio durante uma tempestade, provavelmente em referência a Faria, um conhecido comerciante de escravos que ficou muito rico. A Bahia é de todos os santos, e também dos nem tanto.

Já a prática da medida dita de santo é medieval, muito comum em diversas localidades da Europa. Há registros de que tais medidas eram feitas desde 1792 em Salvador e vinculados a imagem do Senhor do Bonfim, originalmente feitas de algodão, depois seda, ou cetim, mas provavelmente sem dispor parte de seus recursos a Igreja. Algumas destas, sofisticadas, tinham fios de ouro, com 5 a 7 cm de largura, além dos 47 cm de comprimento, com pequenas imagens de santos.

Algo curioso é que cada cor das fitinhas simboliza um Orixá, que vincula tradições e símbolos típicos de raízes africanas ao sincretismo baiano: verde escuro para Oxóssi, azul claro para Iemanjá, amarelo para Oxum, branco para Oxalá, roxo para Nanã, vermelho para Iansã e assim por diante.

Afinal, quanto tempo leva para partir?

Uma tradição que não se sabe ao certo quando começou, relacionada a três nós feitos após enrolar ao menos duas vezes tanto no pulso quanto no tornozelo, ou ainda fixar na grade da própria igreja, e três pedidos, é algo único no mundo enquanto amuleto devocional. Uma devota muito astuta percebeu, após muito tempo, que as fitinhas rompiam em momentos diferentes. Como paciente beata, anotou todas as vezes que isto ocorreu. E foram precisamente, após esperar: 72, 51, 78, 129, 138, 150 ou 129 dias, onde teve suas graças alcançadas.

Um matemático analisou os dados e percebeu que, apesar de serem números de dias bastante diversos, guardavam uma curiosa estatística creditada em homenagem ao engenheiro e militar sueco Ernst Hjalmar Waloddi Weibull.

Entre diversos exemplos, é possível efetuar um experimento que ilustra bem, em termos comparativos, o caso do número de dias em que uma fitinha do Bonfim se romper naturalmente. Basta tomar um clipe de papel e torcê-lo de aproximadamente 60º. Com movimentos de vai e vem, qualquer um pode contar o número de vezes até o rompimento (tambem chamado de fadiga), ao repetir o procedimento ao menos por sete vezes com sete clipes de mesmo tamanho, seguindo o mesmo modo (i.e. torcendo cada um deles de ângulos de 60º. Digamos que cada clipe rompeu após o seguinte número de torções: 17, 24, 43, 26, 50, 43 e 46. Trata-se do número de vezes, não de dias, mas a equivalência é intrigante, conforme descrito adiante.

É importante enfatizar que tanto as fitinhas do Bonfim quanto os clipes podem romper com menos ou mais dias, ou com menos ou mais torções. O interessante é que tais números escondem uma determinada regra estatística da natureza primeiramente observada por Weibull, e após ele, deste modo homenageada. Entre outras coisas, tal resultado mostra que situações diversas apresentam o mesmo comportamento (sejam estes números de dias ou de torções), e que com base nestes dados é possível prever outros momentos de rompimento com certo grau de probabilidade.

Esta é a resposta para a diversidade de dias que antecedem o rompimento – existem probabilidades de ocorrência para cada um destes dias, ou seja: é mais frequente para um determinado número de dias, e menos para outros. Tal teoria é importante não apenas por predizer falhas por fadiga em fitinhas do Bonfim como em outros aspectos da vida moderna que solicitam previsões com certa segurança em diversos dispositivos industriais, como a quebra de vidros de garrafas ou mesmo de janelas, ou ainda o rompimento de uma barragem, abrangendo o que hoje se denomina de engenharia da confiabilidade.

Certa feita, o grande músico e compositor brasileiro Gilberto Gil escreveu os versos da canção “Lavagem do Bonfim” de 1993, gravada na inesquecível voz da cantora e compositora brasileira Gal Costa, que diz: “Lembra bem dos degraus da igreja / Guarda um pouco de suor pra que seja / Misturado às águas e às mágoas de lavar o chão / Faz tempo que passou da Calçada / Segura os joelhos nessa chegada / Que o peito arde de paixão!”

Para quem acredita, para cada nó na fitinha, onde se lê “Lembrança do Senhor do Bonfim – Bahia” deve-se fazer um pedido e esperar a mesma se romper naturalmente para que cada desejo seja atendido, não importando qual a cor da fita. Reza a lenda que o rompimento ocorre mais rápido para alguém com fé. E quando acontecer, que se faça uma oração ou, se possível, uma visita a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, que no dia da lavagem, na segunda quinta feira do ano, é “zona franca de folia, de fé, de devoção”.

Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia.

(Fonte: Jornal Correio).

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