História

Jequié – Cineasta participa de atividades e é entrevistado na Uesb

Jornal Odeere – Você é de Jequié, nasceu aqui… Me fale um pouco da sua vida, quando estava aqui, e o que Jequié representa para você.

Antônio Olavo – Morei em Jequié até os 17 anos, saí no início de 1974, seguindo os passos de muitos jovens de minha geração que também saíram em busca de outros caminhos e um estudo numa universidade. Minha família morava na Rua Frederico Costa, próximo ao IERP, onde estudei até o 2º ano científico. Eram tempos dos bons colégios públicos e no IERP tive excelentes professoras, entre as quais destaco Wilma Lessa.  No IERP também vivi uma experiência maravilhosa estudando no GOT, que era o Ginásio Orientado para o Trabalho, um projeto de Anísio Teixeira, que foi implantado em Jequié pelo então jovem professor Lourisvaldo Valentim, hoje Reitor da UNEB.

Minha infância e adolescência em Jequié foi muito movimentada, jogava muitos “babas” no campo do IERP e no Ginásio do Padre, e trabalhava no Bar London Coffee, de meu pai, também chamado Antonio Olavo, que ficava na Rua Alves Pereira, junto do BANEB e da Casa Medina, do Sr. Flávio Medina. No final dos anos 60 e início dos 70, freqüentei o Senadinho, na porta do Cine Auditórium, onde toda noite um grupo de 20 a 30 jovens, a maioria pobres, negros e desempregados, se reunião e conversava de tudo, principalmente futebol e eu era o único torcedor do Santos de Pelé e Edu. Em novembro de 1974, meu pai faleceu e toda a minha família mudou de vez para Salvador. 

JO – Qual sua formação acadêmica e qual o movimento cultural que você faz parte?

AO – No final de 1974 fiz vestibular na UCSAL pra Engenharia de Minas e na UFBA fiz Geologia, passei fácil nas duas e optei pela UFBA, onde concluí o curso, tenho o diploma, mas não sou Geólogo. Desde que entrei na Universidade, em 1975 comecei a trabalhar com cinema, já em 1975 fui 2º Assistente de Direção de Dona Flor e seus dois Maridos e também de Os Pastores da Noite, dirigido por Marcel Camus. Trabalhei ainda em algumas produções de cinema, sempre como assistente, até 1977.

JO – Sobre sua carreira artística, como surgiu o interesse por fotografias e cinema? Qual foi a produção que mais marcou sua vida nesses campos e por quê?

AO – Em 1978, resolvi me dedicar a fotografia, onde podia atuar sozinho e com absoluta autonomia pra criar. Durante 22 anos trabalhei como fotógrafo profissional e neste período, iniciei um vasto trabalho de documentação visual da história de Canudos, viajei por todo sertão nordestino, realizei várias exposições fotográficas e publiquei o livro “Memórias Fotográficas de Canudos”. Em 1990, ainda apaixonado pela história de Canudos, resolvi voltar a fazer cinema e comecei a escrever um roteiro daquilo que 3 anos depois veio a ser o filme documentário “Paixão e Guerra no Sertão de Canudos”. Este filme foi lançado em première nos EUA com minha presença no final de 1993, e desde então circula livremente por todo país, participei de lançamentos em dezenas de cidades de 10 estados brasileiros, invariavelmente com salas e auditórios cheios, e efetivamente demos uma importante contribuição para que Canudos, deixasse de ser um tema marginal na história do Brasil.

EM 1998 comecei a pesquisar a história dos quilombos na Bahia e no Brasil e o resultado foi o filme Quilombos da Bahia foi patrocinado pela Petrobras e lançado no final de 2004. Nós doamos uma cópia deste filme para mais de 3.000 escolas públicas, municipais, estaduais e federais, do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série) e Ensino Médio do Estado da Bahia.  Isto significa que ele está disponível para uma assistência superior a 2 milhões de estudantes secundaristas baianos.

Em 2008, lançamos o documentário longa Abdias Nascimento Memória Negra, um filme que conta a história de Abdias Nascimento, grande líder do Movimento Negro no Brasil e que ainda hoje, do alto dos seus 95 anos, é uma grande referência da luta pela valorização do povo negro no Brasil. Este filme traça uma linha do tempo da organização do povo negro no Brasil, abrindo janelas que registram e reverenciam grandes ícones desta luta.

JO – Embora você tenha uma vasta produção que contempla desde o recorte histórico de Canudos, Quilombos da Bahia e Memórias negras parece suscitar uma motivação particular… Me fale sobre sua aproximação com a cultura afro-descendente e qual a aceitação desses projetos pela crítica cinematográfica.

AO – Essa consciência de ser negro em mim já era latente desde Jequié, uma cidade racista e preconceituosa, onde a cultura dominante difundiu apenas a importância do núcleo de italianos que por aqui se estabeleceu nos seus primórdios, se esquecendo da importância estratégica dos grupos quilombolas, que por cá também se estabeleceram, muito antes dos italianos, e que por ser marginalizada, tradicionalmente ocupou a periferia da cidade e teve sua visibilidade oculta. Nos últimos anos, está se desenvolvendo um processo extraordinário de recuperação dessa memória negra em Jequié, que gradativamente começa a se apresentar, e boa parte da responsabilidade deste movimento é devido ao trabalho do ODEEREE da UUSB, que efetivamente tem contribuído pra rasgar o véu que ainda cobre a presença negra em Jequié.

  

JO – Como surgiu a idéia do Portifolium. Seria um ateliê de trabalho, um lugar onde você idealiza seus roteiros e se conecta com o público? Quais são os produtos ou atrativos que eles oferece?

AO – A Portifolium surgiu em 1992 e nesses 18 anos vem trabalhando prioritariamente com temas relacionados à memória negra e popular, destacando-se entre suas iniciativas, a produção de três filmes documentários longas metragens Paixão e Guerra no Sertão de Canudos (1993), Quilombos da Bahia (2004) e Abdias Nascimento Memória Negra (2008), todos dirigidos por mim. Também editou vários livros e Calendários de Parede e mantém um site chamado A História de Canudos (www.portfolium.com.br) que é o maior acervo virtual sobre esta saga sertaneja. Enfim, a Portfolium se consolidou como um instrumento de promoção da valorização da memória negra e popular.

JO – Projetos futuros, o que você tem em mente no momento? 

AO – Estou em processo de captação de recursos para um novo filme documentário chamado “Revolta dos Búzios”, também conhecido como “Revolução dos Alfaiates”, que ocorreu na Cidade do Salvador e foi um dos mais importantes movimentos de insurreição de negros escravizados e libertos ocorridos durante a vigência do regime escravocrata no Brasil.

É um projeto bonito sobre um acontecimento pouco conhecido, mas de fundamental importância, posto que influenciados pelas ideais iluministas da Revolução Francesa de 1789, os conspiradores planejaram a derrubada do Governo Colonial e a implantação de uma República democrática, livre e sem escravidão, isso em 1798, muito antes da abolição e da Proclamação da República no Brasil. Estou trabalhando e esperançoso de poder realizar mais este sonho.

Entrevista ao jornalista Antonio Argolo, do Jornal Odeere, Órgão de Educação e Relações Étnicas – UESB, Campus de Jequié, cedida pelo entrevistado ao Portal Interior da Bahia.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo