Em breve entrevista ele fala das contas públicas de Riachão do Jacuípe e do exercício da Cidadania contra a compra de votos.
Interiordabahia – Padre, o que é cidadania e como o senhor analisa o exercício da cidadania aqui em nossa cidade?
Padre Ionilton – Cidadania é a vida dos cidadãos e das cidadãs que vivem em sociedade, com direitos e deveres. Durante muito tempo acentuou-se muito os deveres dos cidadãos e valorizava-se pouco os direitos. Confundia-se muito direitos com favores dos governantes. A população não sabia sair às ruas para reivindicar seus direitos. Nos últimos anos, com o fim da ditadura Militar no Brasil, esta realidade começou a mudar, mas este processo de mudança é muito lento. A realidade de todo Brasil é refletida aqui em Riachão do Jacuípe, já existem sinais de mudança, já temos cidadãos e cidadãs conscientes de seus deveres e de seus direitos, que já se organizam nas associações de moradores, nos sindicatos e em organizações não governamentais na busca de alcançar o respeito aos direitos básicos do ser humano, mas ainda são poucos. Na verdade existe muito medo das pessoas de viverem efetivamente a sua cidadania, principalmente quem é funcionário público. O medo mata a cidadania!
Interiordabahia – Considerando que o catolicismo em Riachão tem um grande número de fiéis o que a Igreja Católica de Riachão tem feito para incentivar o exercício da cidadania na cidade?
Padre Ionilton – Nos últimos 17 anos a paróquia de Riachão do Jacuípe tem buscado colaborar neste resgate da cidadania, a partir do momento em que o pe. José Silvino foi pároco. Até 1992 havia um atrelamento entre a paróquia e a prefeitura. A partir de 1993 este vínculo foi, graças as deus, rompido e a paróquia pode então assumir sua missão evangelizadora, incluindo aí a formação para a vivência ativa da cidadania, com o surgimento da escola de formação dos leigos e das leigas, com a atuação da pastoral da juventude, com a escola das CEB´s, com o curso de aprofundamento para jovens (caj), com o curso de igreja, etc. Outra contribuição importante foi que as homilias passaram a ser verdadeiramente catequéticas e também fonte de formação para a vivência da dimensão política da fé cristã católica. Teve e tem quem aplaude esta forma de ser e evangelizar da paróquia, bem como teve e tem quem não gosta e critica. Para nós padres permanece o desafio de fazer nossos fiéis entenderem que fé cristã e cidadania tem tudo a ver. A fé cristã fundamenta-se no seguimento de Cristo, filho de deus encarnado, feito homem (conforme João 1,14). Como poderemos seguir cristo com uma fé desencarnada da vida, alienada, nas nuvens, para os anjos? Cristo andou por toda a parte fazendo o bem, assim nos ensina Pedro no livro dos atos dos apóstolos (10,38). Fazer o bem é ser cidadão, é ser político. Assim fez nosso mestre Jesus, assim devemos fazer nós seus seguidores e suas seguidoras (“eu lhes dei um exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz” {jo 13,15}).
Interiordabahia – Como o senhor analisa o resultado da fiscalização das contas públicas realizada pela Ong Mobilizadores Sociais recentemente aqui em nossa cidade?
Padre Ionilton – Avalio como o evento de cidadania mais importante do município de Riachão do Jacuípe em 2010. Tenho dito que nosso município não será mais o mesmo daqui para frente. Os mobilizadores sociais estão de parabéns por este trabalho realizado, diga-se de passagem, com dificuldades. Tivemos até que recorrer ao Ministério Público para poder continuar fazendo o trabalho de acompanhamento das contas do Hospital Municipal, na prefeitura não tivemos resistência, mas tivemos dificuldade de espaço, de horário e de organização das pastas. Acrescente-se aqui a dificuldade de pessoas disponíveis para fazer este trabalho no horário de funcionamento externo da prefeitura (de 08 às 12 horas). Mas o trabalho foi feito, 100% das contas da Câmara de Vereadores e da Fusas (Hospital Municipal) e 40% das contas da Prefeitura. Este trabalho está fundamentado na Constituição Federal do Brasil, artigo 31, no artigo 63 da Constituição do Estado da Bahia, bem como deve estar presente na lei orgânica de cada município. A lei garante que as contas estarão disponíveis aos cidadãos e às cidadãs durante 60 dias todos os anos, a partir de 31 de março. O que os Mobilizadores Sociais fizeram foi fazer a lei ser cumpridai. Digo melhor, fizemos, pois eu também faço parte dos Mobilizadores Sociais e fui um dos 10 cidadãos e cidadãs que teve condições de fazer o trabalho. Os resultados já foram publicados no nº 1 do Jornal dos Mobilizadores (junho/2010) e outros dados estaremos divulgando na segunda edição, que estará circulando, se deus quiser, até o final deste mês. Além do encaminhamento que está sendo feito de algumas questões para o Ministério Público e para o Tribunal de Contas dos Municípios, chamamos este serviço de controle social das contas públicas e faz parte do que tem se chamado de democracia participativa. Tem um site interessante neste campo do acompanhamento das contas públicas: www.dasuaconta.com.br. Eles possuem um slogan: “da sua conta, afinal quem paga a conta é você”. Espero que esta experiência de Riachão do Jacuípe seja inspiradora desta ação de cidadania em outros municípios de nossa região.
Interiordabahia – Como estamos em um ano eleitoral, como a igreja analisa a compra de votos?
Padre Ionilton – A igreja é contra a compra e a venda de votos nas eleições, foi a igreja católica que tomou a iniciativa de encaminhar em 1999 um projeto de lei de iniciativa popular, com 1.200.000 assinaturas para o congresso nacional pedindo penas mais duras para o crime de corrupção eleitoral. Daí foi aprovada a lei 9840/99. Sugiro que se acesse o site www.mcce.org.br, neste site encontramos todas as informações sobre a lei 9840, inclusive com a estatística de quantos políticos tiveram seus mandatos cassados por causa do crime de compra de votos. O movimento de combate a corrupção eleitoral trabalha com o lema: “voto não tem preço, voto tem conseqüências”. A igreja trabalha nesta mesma direção: voto tem que ser dado gratuitamente, pois não é mercadoria para se vender e se comprar. Finalmente quero apontar as qualidades do voto cidadão, defendido pela Igreja no Brasil. O voto deve ser livre, consciente e responsável. livre: eu voto a partir de minha consciência e não porque alguém manda; consciente: voto sabendo em quem estou votando, buscando conhecer sua história e a história de seu partido; responsável: voto não pensando em meus interesses, mas pensando no bem comum.
Interiordabahia – Para o senhor, o fiel católico de Riachão atua melhor sua cidadania por conta do trabalho realizado pela igreja?
Padre Ionilton – Alguns (são ainda poucos), como disse, respondendo à segunda pergunta. Temos tido um comprometimento de vários irmãos e de várias irmãs, mas ainda é abaixo do que poderíamos alcançar. Por exemplo, a Paróquia realizou recentemente a Semana da Cidadania e o grito dos excluídos. Não conseguimos reunir mais do que quarenta pessoas. No dia do grito, uma de nossas lideranças fez até um protesto perguntando: “onde estão nossos irmãos e nossas irmãs que enchem a igreja nas missas dominicais?”. Temos muito que avançar, nossa igreja ainda sofre as conseqüências de uma catequese dada no passado que separava a fé da vida. Quando eu falo de questões sociais na homilia, muitos ainda reclamam, dizem que estou falando de política e que na igreja não se deve falar de política. O ano passado pedi às pessoas que estavam na missa, que fossem participar de uma audiência pública para debater a questão da venda do prédio da Câmara de Vereadores. Teve um irmão que se levantou e foi embora da celebração e disse ao sair que o padre estava fazendo política. Mas temos, graças a deus, irmãos e irmãs que atuam nos Mobilizadores Sociais, nos conselhos municipais, nos sindicatos, nos partidos políticos mais comprometidos com o bem comum, poucos, mas de qualidade.
Interiordabahia – Nas últimas eleições em Riachão houve comentários que nunca se vendeu e comprou tantos votos, como a Igreja de Riachão pretende agir no dia 03 de outubro, caso tenha certeza de atos de compra de votos realizada por algum político na cidade?
Padre Ionilton – Não posso falar pela paróquia, cujo pároco é outro irmão, o Pe. Roberto, eu tenho me colocado à disposição das pessoas que tiverem alguma prova de que está acontecendo a compra de votos. Se a pessoa não quiser fazer a denúncia, eu estou disposto a fazer a denúncia à justiça eleitoral e ao Ministério Público.
Interiordabahia – O senhor acha certo a igreja se posicionar politicamente, ou seja, propor candidatos?
Padre Ionilton – A igreja nunca propôs e nem está propondo candidatos, temos pessoas católicas que já foram e são candidatos. A igreja sempre trabalhou e trabalha na linha da formação, da conscientização, nós temos uma posição clara: a política, os governos (federal, estadual e municipal) e poder legislativo (senado, câmara federal, assembléias legislativas e câmara de vereadores) devem promover o bem comum, se algum candidato ou algum partido assumem este projeto, isto não significa que a igreja esteja apoiando.
Interiordabahia – Como o senhor analisa a candidatura de Dilma e o apoio do presidente Lula, visto que ele foi reeleito, isso não compromete a rotatividade no poder?
Padre Ionilton – Analiso com naturalidade, estamos num processo democrático, cabe a nós eleitores e eleitoras avaliarmos se o projeto de governo que a Dilma (PT) quer dar continuidade é bom ou não para o nosso povo. Cabe a nós, também, avaliarmos os outros candidatos e candidatas. Suas propostas significam avanço ou retrocesso diante do governo Lula? Vale a pena trazer o PSDB e o DEM de volta ao governo, através do Serra? Marina (PV) e Plínio (PSOL) trazem alguma proposta nova e realmente viável? Não vejo que o fato de um presidente ter sido reeleito impeça de que o partido ou coligação não tenha um direito de ter candidato ou candidata na eleição seguinte. A rotatividade no poder é importante, mas não necessariamente obrigatória, especialmente se a rotatividade for sinônimo de retrocesso ou de mera alternância de grupo político no poder. O problema não está na continuidade e sim no projeto, se estiver sendo um projeto ruim para o povo, temos que mudar; se tiver sendo um projeto bom para o povo não vejo problema continuar três, quatro mandatos.
Por Laura Ferreira, especial para o Interior da Bahia