O que foi
A cena aconteceu na novela Cordel Encantado, que é exibida na TV Globo, às 18h20, mais ou menos uma semana antes do São João, em um período tomado por noticias e festanças pelos rincões do Nordeste.
Encontro com Herculano
Contudo, não poderia deixar passar em branco. Tudo se deu quando a Duquesa Úrsula saiu do Palácio para visitar o Coronel Herculano – com quem tem um “caso” -, na cadeia de Brogodó.
Histórico
Herculano havia sido baleado no cinema da cidade, dias antes, após uma armadilha preparada pelo prefeito Patácio e o Coronel Timóteo, e depois foi preso pela volante.
Como no cangaço
Até aí tudo bem, quase nada diferente da realidade dos embates entre o bando de Lampião, que inspira o personagem de Herculano, e a volante do Tenente João Bezerra, responsável pelo comando ao cerco de Angicos, que fulminou o Rei do Cangaço, Maria Bonita e mais nove cangaceiros.
Levantar e ficar
Ocorre que Coronel Herculano estava na prisão, há dias, se contorcendo em dores. E foi dessa forma que Úrsula lhe encontrou ao adentrar a cela para lhe visitar. De repente, o mesmo Herculano, que estava no chão, gemendo, levanta-se e vai ao encontro de Úrsula, a sua amante.
A mágica de por fim à dor
Mas, pior do que se levantar foi ver Herculano permanecer de pé, aos beijos e abraços com a Duquesa. Poderíamos até invocar “licença” às imagens se quiséssemos operar o milagre do beijo e dos afagos de Úrsula para fazer com que o cangaceiro nem desse conta das dores que vinha sentindo.
Faltou avisar
Mas, qual nada. Final da sessão de beijos e abraços, o papo entre os dois continuou, com um Herculano firme, de pé, sem demonstrar qualquer dor, sem dar qualquer gemido. Talvez tivesse faltado ao diretor, na hora da gravação da cena, lembrar a Herculano para voltar a se deitar, ou, pelo menos, sentar-se.
Cenas iguais
Mas a Globo já havia feito outra cenas parecidas, em que a transformação entre a dor simulada e o mundo real se desse de forma tão natural, sem uma passagem lógica. Um caso típico aconteceu no próprio cinema, quando da emboscada ao Capitão Herculano. Numa cena cansativa, por horas, ele ficou gemendo no chão, nos braços de Maria Cesária, ora virando os olhos como quem iria morrer, ora falando forte, como se nada sentisse. Desculpem, mas a Globo ficou devendo essa.
Outras críticas
Outra questão que causa curiosidade é sobre o figurino dos atores. Eles usam quase sempre os mesmos trajes, excetuando-se a gente do Palácio, que veste roupas chiques para ir aos bailes de Brogodó. No mais, Jesuíno, Herculano, Eusébio, Quiquiqui, Setembrino e tantos outros vestem sempre a mesma roupa ou se apresentam sempre com o mesmo perfil.
Brilho mantido
Contudo, tais cenas não apagam o brilho da novela, que continua encantando. É verdade que houve uma refrega, mas logo o diretor deu uma recuperada. O que sustenta a trama, que tem a direção geral de Amora Mautner, é que ela tem uma paisagem forte, um elenco muito bem selecionado, uma trilha sonora muito interessante e com uma história que gira em vários flancos.
Mistérios e descaminhos
Agora mesmo a autora brinca com o telespectador com várias reviravoltas, ora encerrando romances de forma brusca, ora sinalizando para a retomada de amores interrompidos, como o de Inácio e Antonia, de Jesuíno e Açucena, ou mistérios como o renascimento (?) de Cícero e a recuperação de Petrus.
Inspiração
Mas, como já dito antes, a autora bebe, e muito, na obra de Ariano Suassuna, no trabalho de Lirinha do Cordel de Fogo Encantado (teria inspirado o nome da novela?) e até mesmo em Graciliano Ramos.
Eusébio vive Fabiano
Aliás, falar em beber na obra de Graciliano, o que significa mesmo a cena com o Euzébio todo atrapalhado durante o baile para o reinado da princesa Aurora se não a mesma cena de Fabiano, em Vidas Secas, de Graciliano? Este se perdeu na cidade e se irritou com o Soldado Amarelo; Eusébio briga com o próprio sapato, numa armadilha de granfina Úrsula
Por fim
Enfim, Cordel Encantado continua nos proporcionando grandes momentos, notadamente com o personagem do destemido Jesuíno, que vai acabar entrando para o cangaço, como acontecia no passado. Os jovens, sem emprego, sem perspectiva de vida e desprotegidos pela lei, iam em busca de uma vida diferente.
Pelo justo e pelo certo
É isso que o autor quer mostrar. Jesuíno é um bom moço, que sempre adotou o “pelo justo e pelo certo”, mas, fugitivo no sertão de meu Deus, e dos coronéis, será obrigado a entrar no cangaço para se defender e buscar a justiça do seu próprio jeito. Ou do jeito do sertão.
Por Evandro Matos – e-mail: evomatos@gmail.com