Era uma Bahia quase toda sustentada sobre pés de cacau. Era um jovem governador interessado em tirar sua terra do aspecto de casa de árvore, sujeita a ruir em ventanias. Era 1971, e os temporais eram fortes. Mas Antonio Carlos Magalhães estava a fim de desviá-los.
Há 40 anos, ele mostrava como usar a força política a favor da administração, ao conseguir driblar a corrente contrária soprada pelos paulistas, interessados em abocanhar o que virou o principal motor da economia baiana: o Polo Petroquímico de Camaçari.
Naquele ano, havia um lobby fortíssimo junto ao presidente Emílio Garrastazu Médici para não deixar o Polo vir para a Bahia. “Eles queriam ampliar o de Paulínia em São Paulo. Mas ACM interviu e conseguiu o apoio de Ernesto Geisel, que era o presidente da Petrobras na época. O episódio mostra uma de suas principais marcas como administrador público, que era utilizar seu prestígio político a favor da Bahia”, conta o ex-senador Antonio Carlos Júnior, filho do político baiano, morto há exatos quatro anos.
“Havia nele algo que não existe mais, que era ser absolutamente político, ao mesmo tempo em que se mostrava extremamente preocupado com a administração”, assinala o radialista Mário Kértesz, que foi secretário de Planejamento, Ciência e Tecnologia na primeira gestão de ACM no governo baiano (1971-1975). “No episódio da implantação do Polo, ele peitou Delfim Neto (o então todo-poderoso ministro da Fazenda de Médici), que preferia ver as indústrias em São Paulo. E isso estava quase acontecendo”, completa
A manobra para trazer o Polo para a Bahia não vinha apenas de um desejo pessoal. Até a consolidação do complexo industrial de Camaçari, na Região Metropolitana, a economia da Bahia era cerca de 65% dependente da lavoura cacaueira do Sul do estado. “Ele via as coisas muito à frente do seu tempo. Percebia que não dava para deixar quase todo o estado dependente de uma monocultura. E usou sua força política para sair do atraso”, aponta Antonio Carlos Júnior.
Estava certo. Nos anos seguintes à luta para implantar a industrialização na Bahia, a lavoura que durante décadas sustentou a economia do estado entrou em declínio. Primeiro, com a queda do preço no mercado internacional. Depois, com duas pragas devastadoras: a podridão parda e a vassoura-de-bruxa, que praticamente exterminou os cacauais a parir de 1995.
“Existe uma Bahia antes e depois do Polo. Foi a partir dele que começou o desenvolvimento da infraestrutura industrial no estado, com a criação do Porto de Aratu e da Cetrel (o ”coração“ ambiental do complexo petroquímico, criado em 1978)”, destaca o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), José de Freitas Mascarenhas. A “peitada” de ACM nos paulistas fez com que seu primeiro grande projeto se tornasse o maior conjunto integrado de indústrias do Hemisfério Sul.
Tentáculos
“Sua marca registrada era a de grande realizador. Nunca se conformou em ser apenas mais um. E para isso ele não tinha receio nenhum de usar seu respaldo político a favor da Bahia em todos os cargos que exerceu”, lembra o ex-senador Waldeck Ornelas, ex-ministro da Previdência no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e um dos mais próximos colaboradores de ACM. Para Ornelas, o Polo fez parte de uma estratégia que o baiano consolidou nas décadas seguintes.
“Ele tinha obsessão em ocupar todos os espaços na Bahia, através de programas regionais específicos. Não tinha a menor cerimônia de usar seu prestígio para arrancar empréstimos no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”, acrescenta Ornelas. E foi através da grana obtida e das ações políticas junto ao governo federal que ele conseguiu implantar o agronegócio no Oeste no segundo governo, criar estradas, levar água a Irecê e Bom Jesus da Lapa, quando foi presidente da Eletrobrás no governo Geisel (1975-1979). “Ele não tinha medo de se expor. Para ajudar a Bahia, era capaz de tudo”, salienta Antonio Carlos Júnior.
O legado que a Bahia não esquece (ACM Neto)
Hoje, 20 de julho, faz quatro anos que meu avô, Antonio Carlos Magalhães, nos deixou, seguindo o destino natural que a vida reserva a todos nós. Não há como negar a grande falta que ele faz. Falta que é sentida pela sua família, pelos seus amigos e por milhares de baianos que aprenderam a admirá-lo e com ele guardam uma verdadeira relação de amor. ACM foi aquele tipo de pessoa que teve uma existência plena, corajosa, marcada por ideias muito claras, com firmeza nas convicções e repleta de realizações. É esse homem, baiano de corpo e alma, exemplo do que há de mais autêntico no jeito de ser do nosso povo, pessoa que guardo no meu coração e na minha mente, que quero homenagear.
Confesso que, ao longo desses quatro anos, não deixei um dia sequer de pensar no que ele representou e ainda representa para a Bahia. Penso no seu legado e, acima de tudo, na sua lição de vida. Foi um homem coerente, verdadeiro e fiel a seus princípios. Lutou pelo que acreditava, sabendo ser firme com ternura. E, mais que isso, foi um homem apaixonado. E, dentre as várias paixões de sua vida, uma sempre ocupou lugar preferencial em seu coração: a paixão pela Bahia. Uma paixão desmedida, uma paixão vivida com rara intensidade, uma paixão que moveu a sua vida e alimentou as suas lutas.
Uma paixão que o deixava feliz e orgulhoso, pois ele sentia e sabia que era marcada pela reciprocidade da nossa gente. Até hoje, são incontáveis as pessoas que nos honram com manifestações de carinho e mensagens que expressam o agradecimento e a saudade de ACM. Não é de graça, ou à toa, que seu nome se confunde com o da Bahia. Falar em realizações na Bahia, falar da Bahia moderna, falar do orgulho de ser baiano, é falar em Antonio Carlos Magalhães.
É certo que muitos homens públicos contribuíram para a construção do nosso estado. E muitos outros hão de contribuir. Isso é verdade. Como também é verdade que nenhum político na história contemporânea da Bahia conta em seu currículo, em sua trajetória de vida pública, com tantas realizações como Antonio Carlos Magalhães. Realizações que mudaram e modernizaram as matrizes socioeconômicas do estado, que deram um novo impulso ao tecido social da Bahia, com profunda repercussão em toda a região Nordeste.
Não vou aqui enumerá-las. São inúmeras, vão do Polo Petroquímico à expansão de uma nova fronteira agrícola; da recuperação do nosso patrimônio histórico aos programas de combate à pobreza; da luta pela Ford ao trabalho para evitar que a violência campeasse entre nós; da construção de um centro administrativo à formação de uma geração de administradores públicos.
O seu legado nos deixa um grande desafio. O desafio de agir com espírito público, de saber que as nossas realizações devem ser do tamanho dos nossos sonhos, de buscar na coragem a força para construir um futuro diferente, de jamais se acomodar nas adversidades e, principalmente, de defender a Bahia, colocando os baianos sempre em primeiro lugar.
Tudo isso me estimula e me faz ter o mesmo compromisso com a Bahia que ele teve. Bahia que, hoje, necessita de uma injeção de ânimo para voltar a liderar o Nordeste, recuperando a importância perdida no plano nacional. Bahia que, infelizmente, retrocede em setores como educação, saúde e segurança; este último rendendo recordes negativos, sacrificando vidas inocentes e retirando a paz e a tranquilidade do nosso povo. Há um vazio da falta de comprometimento com a nossa gente, há uma lacuna que se amplia toda vez que comparamos os nossos governantes com o inesquecível Antonio Carlos Magalhães. Quatro anos passam rápido demais. Contudo, a saudade não passa jamais.
* * ACM Neto é deputado federal e líder do DEM na Câmara