História

Jornalista Josias Pires comenta: “Kelly Cyclone é uma criação da mídia”

A notoriedade adquirida por Kelly Cyclone, garota de 23 anos assassinada na madrugada da segunda-feira (18), em Lauro de Freitas, cidade vizinha a Salvador, só foi possível graças à apologia ao consumo, ao descartável, à vulgaridade e à violência veiculados, sobretudo, pelos programas “mundo cão” da tevê. Programas que se alimentam da miséria alheia, amplificando e recobrindo de notoriedade o submundo do crime e da violência.

“Kelly Cyclone é uma criação da mídia”, afirma a psicóloga Tânia Duplat para quem há um “conluio da mídia com o protagonismo negativo”, favorecido por uma flexibilidade moral que tolera a banalização midiática da violência.

Em fevereiro de 2010, cobrindo a ação policial numa festa na Boca do Rio, segundo a polícia, regada a cocaína, a câmara do programa Se Liga Bocão, da TV Record, foca de cima uma garota assustada com o aparato mediático da prisão; e uma voz em off no estúdio a acusa de suspeita de ter praticado três assassinatos. A voz da tevê é uma condenação.

Um ano depois Kelly voltou ao Bocão para dar entrevista, logo depois da morte do namorado, que era traficante. Em seguida, o jornalista José Eduardo (o Bocão) mandou um beijo no ar para Kelly, dita “Doçura”; depois houve apresentação dela no mesmo programa com uma banda de pagode; e a longa entrevista em que ela rechaça todas as acusações de envolvimento com o tráfico de drogas, e ao mesmo tempo revela sua proximidade com o ambiente e com os seus personagens.

As imagens do funeral de hoje foram editadas na tevê junto com outras da garota seminua dançando pagode. Sexo, morte, drogas ilícitas, vida marginal e mídia estão imbricados nesse contexto e estão presentes na vida de Kelly Sales Silva. Neste último ano ela adquiriu a fama de “rainha do pó”, “patroa da periferia” e “rainha do gueto”, buscou livrar-se da pecha de assassina e traficante, estreitou relações com bandas de pagode e sonhou com a política (a mãe foi vereadora em Lauro de Freitas).

Certamente é verdade dizer, como faz a psicóloga Tânia Duplat, que há por aí milhares de garotas vivendo na periferia do tráfico, são namoradas de traficantes e gostam de dançar pagode. Que é uma festa eminentemente popular, é bom que se diga. Porém, não sei se há tantas dessas garotas com cerca de 12 mil seguidores nas redes sociais. – número alcançado por Kelly ao longo do último ano, depois do episódio da Boca do Rio.

Para estas pessoas, Kelly Cyclone é uma heroína da periferia, ou uma anti-heroína talvez fosse melhor dizer. Nas décadas de 50 e 60 havia um certo culto da esquerda com o marginal. “Seja marginal. Seja herói” é uma frase que ficou famosa, assim como o bandida da luz vermelha do filme de Rogério Sganzerla. Ou mesmo anti-heróis da nouvelle-vague.

Mas aqui a admiração pelas atitudes marginas parte de jovens da periferia e não por definições políticas. “Eles não têm acesso a outro tipo de protagonismo social. E encontram esta via glamourizada da marginalidade, da violência e do tráfico, alicerçando o protagonismo negativo”, sobretudo para pessoas sem acesso a educação de qualidade e bens culturais diversificados, aponta Tânia.

Por Josias Pires – extraído do blog Bahia na Rede

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