Economia

Em artigo, Orlando Matos fala sobre: “A crise financeira internacional e o Brasil”

A palavra “crise” significa situação perigosa e anormal. Logo, falar em crise na economia, como tem ocorrido ultimamente, nos assusta. Apesar de o epicentro desse problema estar longe de nós, brasileiros, causa-nos arrepios, pois não estamos imunes ao contágio em face das fortes interligações entre as economias nessa era da globalização. 

A verdade é que a economia mundial atravessa momentos difíceis. Os Estados Unidos e a Europa procuram incentivar o consumo e a produção para superar o desemprego e sair da crise, mas precisam cortar gastos para reduzir o déficit fiscal. Nos Estados Unidos, os consumidores estão endividados e têm reduzido compras. Em consequência, as empresas não investem e o governo, que deveriam investir para reduzir o problema, não o faz por falta de recursos. Aumentos de impostos encontram resistências e o financiamento através de vendas de títulos públicos está no limite. Na Europa, à exceção da Alemanha, o quadro é semelhante.

Essa crise, no entanto, não surgiu do nada. A origem está na inadimplência de empréstimos imobiliários americanos, respaldados em garantias insuficientes (sub-prime), levando as instituições financeiras credoras a ter dificuldades em honrar seus próprios compromissos financeiros.

Esse quadro, aliado à alta alavancagem (uso de recursos de terceiros em proporção muito mais elevada do que de recursos próprios) permitida pela frouxa regularização do capitalismo neoliberal, foi o estopim desse cenário adverso. Isso resultou em crise de confiança, redução de crédito e, consequentemente, estagnação econômica, que, por sua vez, afeta todo o mundo em virtude da queda de exportações, oferta de crédito, deterioração dos preços de produtos primários vendidos pelos países emergentes e menos desenvolvidos.

Os impactos não afetam, porém, todas as economias de forma semelhante. Aquelas mais preparadas certamente resistirão mais, dependendo dos ajustes internos realizados em termos de reservas internacionais, déficit fiscal sob controle, inflação baixa, cenário político-institucional estável, entre outros.

Impacto no Brasil

O Brasil, em face dos ajustes macroeconômicos empreendidos em meados dos anos 1990, está relativamente mais preparado para enfrentar os choques externos adversos. Esse quadro brasileiro permitiu, na primeira onda da crise em 2009-2010, que fosse possível minorar os impactos adversos com medidas de política econômica no governo Lula.

Nessa segunda onda, a expectativa é que os impactos sejam também relativamente menores, comparados com os países do primeiro mundo e com as economias altamente dependentes de exportações e de capitais externos. O sistema financeiro brasileiro, graças aos reforços de capitais e, portanto, ao menor grau de alavancagem, está mostrando solidez.

As exportações devem declinar com a queda do crescimento das economias americanas e européias e mesmo chinesa, mas os níveis atuais de consumo interno não devem ser fortemente afetados em virtude do redirecionamento da produção e das importações ora facilitadas pelas baixas taxas de câmbio. Isso, no entanto, preocupa por causa do surgimento de problemas no balanço de pagamento, mais à frente. Além disso, as elevadas taxas de juros e o aperto fiscal do governo federal, que deve se estender aos estados e municípios, podem gerar estresse no Brasil. 

Em suma, se o aperto fiscal não comprometer projetos de investimentos públicos produtivos e for dada atenção às classes sociais menos favorecidas é possível que o Brasil continue crescendo, embora a taxas menores.

É claro que o rebaixamento do grau de confiança na capacidade de os Estados Unidos não honrarem sua dívida assusta, mas, ao mesmo tempo, amina pela solidez de sua economia. Esse rebaixamento de confiabilidade desencadeou nova onda da crise, mas partiu de uma única agência de classificação de risco, o que não significa necessariamente que será seguida por outras agências e pelos investidores, pois não há, no momento, opções viáveis para substituir os títulos americanos como investimento financeiro de baixo risco. Esse quadro, aliás, foi sinalizado por indicadores divulgados na semana passada.

A situação brasileira, em suma, é relativamente mais confortável, mas as autoridades não podem descuidar-se.

Orlando Carneiro de Matos

Economista, Ex-consultor Econômico do Banco Central do Brasil. Atualmente atua como Consultor no Banco Central de Angola, na África.  

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