Educação & Cultura

Portfolium completa 20 anos, lança Calendário e anuncia produção de filme

Fundada em janeiro de 1992 pelo próprio Antônio Olavo e o fotógrafo Josias Santos, desde o início eles trabalharam com a linguagem visual (cinema, fotografia etc.), buscando contribuir com a valorização da memória dos movimentos sociais na Bahia e no Brasil.

Pelas palavras do próprio Olavo “não tem sido fácil manter ativa e digna uma pequena empresa ousada, cheia de sonhos e rebeldias, nestes tempos de domínio quase absoluto do ‘mercado’ e do ‘sistema’, novos eufemismos que denominam o velho e carcomido capitalismo”.

Apesar disso, ao fazer um balanço de tudo, Olavo se sente retribuído com o trabalho já realizado. “Ao olhar para trás, o sentimento é de um imenso orgulho com o já produzido. Foram três filmes longa metragem: Paixão e Guerra no Sertão de Canudos (1993), Quilombos da Bahia (2004) e Abdias Nascimento Memória Negra (2008), já vistos por centenas de milhares de pessoas, porquanto mais de 30.000 cópias numeradas circulam pelos rincões afora, sendo exibidas frequentemente em espaços ávidos por boas imagens que contam boas histórias: salas de cinema, escolas, bibliotecas, centros culturais, associações comunitárias, terreiros de candomblé etc. Além dos filmes longas (e outros curtas), promovemos muitos cursos de fotografia (na saudosa época dos banhos químicos) e editamos livros, revistas e nove Calendários de Parede”.

Novo desafio: A Revolta de Búzios

Resistente, em 2012 a PORTFOLIUM apresenta um novo Calendário para o público, desta feita com o tema Revolta dos Búzios, que inspira um projeto mais abrangente, cuja ponta é um filme documentário longa metragem, atualmente em fase de produção. O próprio Olavo discorre sobre o tema:

“A Revolta dos Búzios, também chamada de Revolução dos Alfaiates, Conjuração Baiana, Sedição de 1798 e Inconfidência Baiana, é um movimento que ocorreu na Cidade do Salvador, capital da Província da Bahia, no ano de 1798. Possui importância ímpar para a história política do país, visto que já nesta época os conspiradores baianos, influenciados pelas ideias iluministas da Revolução Francesa (1789), planejaram um Levante que pretendia derrubar o Governo Colonial, proclamar a independência e implantar uma República democrática, livre da escravidão, onde haveria igualdade entre os homens pretos, pardos e brancos.

Esta “tentativa de independência do Brasil”, no dizer do historiador Braz do Amaral, foi denunciada antes da deflagração e o governo instalou uma Devassa que, durante 15 meses, convulsionou a cena política da Bahia, atingindo centenas de pessoas com ameaças, interrogatórios, detenções, condenações de açoites públicos, prisões, degredo perpétuo, e até a pena de morte, sentença máxima que se abateu sobre quatro homens negros: os soldados Luiz Gonzaga (36 anos) e Lucas Dantas (23 anos), e os alfaiates João de Deus (27 anos) e Manoel Faustino (22 anos), enforcados e esquartejados em 8 de novembro de 1799 na Praça da Piedade, em Salvador.

Junto a estes quatro mártires, temos o dever de consciência de acrescentar o nome de Antonio José, escravo boleeiro de um tenente coronel, que ordenou sua prisão. Antonio era homem ativo na conspiração e deu entrada na Cadeia Pública em 28 de agosto de 1798. No dia seguinte, ainda cedo, foi encontrado morto em sua cela, com um punhado de comida na boca e o corpo apresentando evidentes sinais de envenenamento.

A notícia da morte logo se espalhou na cidade e as muitas bocas nas conversas diziam que Antonio foi assassinado para garantir o silêncio. O fato é que a misteriosa morte de Antonio José jamais foi esclarecida e se tornou mais um, entre os muitos enigmas do longo processo de Devassa. Antonio José, portanto, é o quinto mártir da Revolta dos Búzios.

A Revolta dos Búzios é uma história que precisa e merece ser conhecida mais amplamente, saindo das sombras das efemérides oficiais. No seu estudo, tomamos como principal fonte de pesquisa os “Autos da Devassa”, documento de inegável valor histórico, com mais de 2.000 páginas escritas no “calor da hora”, contendo o desdobramento minucioso da grande investigação que o governou mandou proceder, após o surgimento dos “papéis revolucionários” em 12 de agosto de 1798.

Estes “Autos” cobrem um período de agosto/1798 a novembro/1799 e são transcrições de dezenas de sessões da Devassa, incluindo a íntegra dos depoimentos de mais de 70 pessoas que foram interrogadas. Trata-se de um texto viciado e absolutamente parcial, escrito por homens que integravam a estrutura do poder colonial, comprometidos a priori com a condenação dos conspiradores, acusados de crime de lesa-majestade. Contudo, dele se pode obter informações valiosas, se lhes for dedicado uma “leitura a contrapelo”, como diria Walter Benjamin”.

Nova realidade

Ainda falando sobre a Revolta de Búzios, Olavo sugere que:

“Algo novo na nossa história, diferente de outros movimentos separatistas da América Portuguesa, a conspiração baiana de 1798 defendia as bandeiras da Independência, que só viria em 1822, da República, proclamada apenas em 1889, e avançava na defesa do fim da escravidão, conquistada somente no ano de 1888.

Isso nos leva a crer que, no Brasil atual, onde a população afrodescendente é majoritária (50,74%, IBGE 2010), não é mais possível continuar desconhecendo movimentos sociais protagonizados pelo povo negro, que teve grande importância na formação histórica e política do país. É neste sentido que a realização deste projeto contribui para preencher uma lacuna na história da Bahia e do Brasil, que necessitam de iniciativas como esta, fundamentais para a afirmação e consolidação da autoestima e identidade étnica de seu povo.

Sem pretensão de análise, os textos do Calendário têm uma narração descritiva dos acontecimentos, um esboço da tentativa de “esquartejamento” dos “Autos da Devassa”, mais do que nunca necessário, para que a gente não fique falando do que não conhece, contrapondo o ocultamento indesejado, a desinformação generalizada, que, a despeito das boas intenções, produz danos históricos também graves”.

Agradecimentos

Por fim, após discorrer de forma brilhante sobre o tema que sustenta o Calendário e que  inspira o filme-documentário, Antônio Olavo agradece às instituições e pessoas que colaboraram para mais este importante trabalho:

“Faço um agradecimento especial à Secretaria da Educação do Estado da Bahia, que adquiriu uma cota do calendário para distribuir nas escolas públicas e, assim, possibilitou que o projeto fosse realizado. Às outras instituições (púbicas e privadas) que não alcançaram esse entendimento… não alcançaram. Mais importante que isso foi o nosso desejo de contribuir com o desvelar de uma história importante para a Bahia e o Brasil.

Agradeço também as valiosas leituras críticas de Luciene Maria, Léa Costa Santana Dias, Graça Leal e Sergio Guerra Filho, que contribuíram muito para reduzir as imperfeições do trabalho. E aos sempre presentes Sergio Guerra, Josias Santos e Raimundo Laranjeira, sem eles, eu não o faria.

Por fim, dedico também este Calendário a minha linda flor Mariana Ayana, de seis anos, idade/tempo que dediquei a conhecer a apaixonante Revolta dos Búzios”.

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