
Se há um calcanhar de Aquiles eleitoral na esquerda é a questão de como combater a criminalidade. Se fizermos uma generalização de como pensam esses militantes, a ideia é que o pequeno criminoso só age de maneira violenta porque não tem opções nem perspectivas de vida. Seria vítima de um sistema injusto que alimenta a desigualdade.
Um dos grandes problemas desse tipo de avaliação é o elitismo alienante. Até porque, nem mesmo as pessoas mais pobres, que vivenciam as dificuldades sociais, concordam com a tese. Ao contrário.
BRASIL REAL – A pesquisa da AtlasIntel divulgada nesta sexta-feira, 31, coloca mais luz sobre o problema. De acordo com a sondagem: 88% dos entrevistados que moram em favelas no Rio de Janeiro aprovaram a megaoperação ocorrida esta semana no Rio de Janeiro. O dado é avassalador.
Nem mesmo as 120 mortes foram suficientes para fazer os moradores das comunidades rejeitarem o trabalho policial. Não consideram seus “vizinhos” mortos como vítimas da sociedade.
Um detalhe: 70% dos moradores das favelas consideraram “inapropriado” o minuto de silêncio solicitado pelo ministro Guilherme Boulos pelas vítimas da operação carioca.
ALIENAÇÃO – Ou seja, muita gente, muitas vezes do conforto de seus lares de classe média, de bairros ricos, de cafés afrancesados, quer ensinar como os que sofrem com o problema devem lidar com ele.
Talvez só quem não experimenta diretamente a questão pode vir com teses generalizantes como “o traficante é vítima”, “ele roubou o celular para tomar uma cervejinha”, “nós, ricos, precisamos pagar o pedágio da desigualdade brasileira”, dizem, na arrogância de não sentir a questão na pele e dar lições sobre o assunto.
BOBAGENS – Quem é de esquerda acredita, em geral, que as sociedades humanas são desiguais e injustas, e os oprimidos pelos mais poderosos – os antigos escravos, os atuais assalariados, os informais – devem ser liberados, seja por meios pacíficos, seja pela violência revolucionária.
O traficante, no final das contas, estaria em linha direta com sua ascendência escrava e teria direito à redenção. Sua periculosidade, portanto, se justificaria. Confiram como há uma série de obras de arte, seja no cinema, na música, na literatura, que corroboram essas hipóteses do bandido-herói.
O quase silêncio constrangido do governo petista em relação à megaoperação tem razão de ser. É um tema que os deixa acuados. A direita – mesmo com toda a hipocrisia que sempre acompanha os temas morais – tem a linguagem que a maioria da população aprova quando se trata de crimes: que venha o castigo.
LIÇÃO DE VIDA – Nada de compreensão, nada de análise sociológica, nada de tentativa de realizar os fatos. É a vida como ela é. A pesquisa Atlas também mostrou que a maioria dos brasileiros quer ver operações como essas repetidas.
A questão, entretanto, é que há chance de todas essas operações estarem combatendo as consequências do problema, não a sua causa. Afinal, o dinheiro do tráfico não brota do chão. Há milhões de pessoas dispostas a gastar muito para comprar um produto ilegal. E há outras milhares dispostas a matar e morrer para entrar nesse negócio.
Até hoje, as guerras às drogas, que ocorrem de maneira até mundial, fracassaram. Os EUA e parte da Europa Ocidental partiram para tentativas de legalização, mas os resultados seguem inconclusos.
Fabiano Lana/ Estadão



