Eleitores que compareceram às urnas no dia 3 de outubro, no primeiro turno das eleições, escolheram seus candidatos e agora se defrontam com um cenário incerto.
A causa dessa incerteza, ausente do farto noticiário sobre as eleições, é o fato do Supremo Tribunal Federal (STF) não ter decidido, ainda, se a Lei Complementar número 135, de 4 de junho de 2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, vale para estas eleições.
Enquanto não houver um julgamento definitivo, o pleito fica sub judice. São candidatos que não sabem se poderão assumir seus mandatos; partidos que desconhecem como serão compostas suas respectivas bancadas no Congresso Nacional; e, eleitores que poderão, simplesmente, perder de vista candidatos e votos.
A Lei da Ficha Limpa chegou à Câmara Federal em abril deste ano, conduzida por uma mobilização exemplar da sociedade brasileira. Cerca de 1,5 milhão de cidadãos assinaram o projeto de iniciativa popular, enquanto outros 2,5 milhões compareceram através da internet.
Aprovada na Câmara e no Senado, a medida que veio com a intenção de atender ao disposto no artigo 14, parágrafo nove da Constituição (trata das inelegibilidades e estipula que deve ser “considerada a vida pregressa do candidato”, a fim de “proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato”), foi sancionada pelo presidente da República, sem reparos da Advocacia Geral da União (AGU) e entrou em vigor.
Desde então, fica impedido de concorrer a cargos eletivos quem tiver contra si condenação por qualquer tribunal. No entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lei da Ficha Limpa vale plenamente para estas eleições, por não representar nenhuma penalidade adicional, caso em que teria sua aplicação limitada.
Mais de duas centenas de candidatos foram impugnados pela Justiça Eleitoral no país. Contudo, grande parte deles, amparada em liminares, decisões judiciais precárias que ainda terão seu mérito avaliado, concorreu a mandatos de deputado estadual e federal, senador e governador. Muitos foram eleitos, outros disputam o segundo turno.
O primeiro recurso ao STF contra decisão da Justiça Eleitoral foi encaminhado pelo ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz, barrado pelo TSE.
O julgamento no Supremo, que atua desfalcado em função da aposentadoria de um dos seus integrantes, consumiu dez horas de debates e terminou empatado em 5 votos a 5.
O presidente do tribunal preferiu não utilizar a prerrogativa de voto de desempate. Embora não exista confirmação, pois ninguém declara isso abertamente, comenta-se que o STF aguarda a nomeação, pelo presidente da República, do novo magistrado a quem caberia decidir a questão. Como se diz no jargão do futebol, os magistrados ‘jogaram a bola para frente’.
Não se sabe o que impede a mais alta Corte do país de cumprir seu dever constitucional. Solução para o problema existe, apontada na noite mesma do julgamento quando, perplexos, os ministros do STF discutiram o que fazer para resolver o impasse. Poderiam manter a decisão anterior do TSE, que validou a Lei da Ficha Limpa.
É assim que funciona a Suprema Corte dos Estados Unidos, instituição que serviu de inspiração para a criação do nosso STF e é um exemplo para os tribunais do mundo inteiro. Lá, quando ocorre um empate no julgamento, fica valendo a decisão do tribunal inferior (e não se tem notícia de algum magistrado norte-americano tenha se sentido diminuído por isso).
Nossos magistrados, porém, recusaram esse caminho, e mantém a incerteza quanto ao destino de 11 milhões de votos.
Além do prejuízo imediato a eleitores, candidatos e partidos políticos, essa indefinição ameaça a legitimidade do nosso sistema eleitoral, tão avançado do ponto de vista da tecnologia, mas ainda sujeito ao erro humano.
Pedro Simon é senador (PMDB-RS)
Do Blog do Noblat