Justiça

Entrevista, juíza Olga Regina: ‘É um grande jogo. Aqui não existe oposição’

Na entrevista abaixo, a juíza, como 22 anos de magistratura, fala de censuras sofridas pelo então presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Jatahy Fonseca, ameaças de morte, invasão de sua residência, ligações com o narcotraficante Gustavo Bautista, omissão da segurança pública e dos deputados de oposição.

Confira a entrevista na íntegra.

O livro ‘O preço amargo da calúnia’ já é temido. A senhora dá nomes aos bois?

Olga Regina – Disse para todo mundo que o livro seria uma obra de ficção e mudaria os nomes, mas depois mudei e vou dar nome a todos os envolvidos. Tudo que está no livro está no Tribunal de Justiça. O que está nos autos está no mundo. Toda a documentação do livro está no tribunal.

A senhora sempre foi considerada combativa, teve forte atuação contra o contrabando de carga na região Norte da Bahia, depôs na CPI do Narcotráfico no início dos anos 2000. Depois, seu nome foi associado ao narcotraficante Gustavo Bautista. Como foi essa trajetória do céu ao inferno?

OR – Eu entrei na magistratura em 1989. No livro, eu relato os meus 22 anos de magistratura nos diversos municípios em que atuei. Recebi título de cidadã de algumas cidades em que fui juíza, em outros deram o meu nome para o fórum, mas o meu inferno começou na CPI do Narcotráfico, quando denunciei o Tribunal de Justiça pela omissão e conivência. Eu havia solicitado da delegacia os autos do inquérito sobre o roubo de carga e recebi o telefonema do então presidente do TJ. Quando ele ligou, eu não acreditei que estava falando com o presidente de um tribunal, tanto que eu falei: ‘o senhor deve fazer parte de uma associação de bairro dessas bem vagabundas. O senhor não deve ser o presidente de um tribunal’.

Quem era ele e o que foi que ele falou para deixá-la furiosa?

OR – O presidente do Tribunal de Justiça à época era Jatahy Fonseca. Ele mandou que eu parasse de pedir inquérito porque eu não era polícia, que eu deixasse isso quieto. Esse inquérito estava na Delegacia de Juazeiro e a Assembleia Legislativa estava me cobrando informações, querendo saber sobre informações sobre roubo de carga na região; com esse problema eu comecei a não ser mais bem vista no Tribunal de Justiça, Naquela época, eu era juíza eleitoral e perdi o cargo no dia seguinte ao meu depoimento à CPI do Narcotráfico. Foi Aloísio Batista, então presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que me tirou do cargo. Perdi substituição e gratificações e aí meu salário caiu significativamente. Depois disso, começaram as sindicâncias. Um corregedor passou uma semana na Comarca de Juazeiro com outros três juízes vasculhando para ver se achava algo. Depois, eles fizeram outra sindicância. Nessa última, o relatório da corregedora da época, desembargadora Celsina Reis, que é uma pessoa que tenho muita admiração, disse que sou uma juíza vocacionada, direita, correta, honrada e que, ao invés de merecer aquela sindicância, eu merecia elogios, que ela desconhecia alguém na magistratura que trabalhasse tanto quanto eu. No relatório, inclusive, ele frisou que naquele ano eu havia sido a magistrada que tinha proferido mais sentenças na Bahia.

E depois disso a situação não melhorou. Em 2001 a casa da senhora foi arrombada…

OR – Verdade. Minha casa foi invadida por vários policiais encapuzados… eu não morri por um milagre. Um policial e o motorista do comandante da Polícia Militar estiveram em minha casa para me avisar que estava havendo uma reunião com promotor e policiais de Salvador para arrombar minha casa e que a ordem era me matar. Eles me pediram para tirar todas as minhas armas de casa. O prefeito de Juazeiro da época, o hoje deputado federal Joseph Bandeira me pediu muito para sair de casa e ir para outro lugar, mas eu me recusei. Disse que vivia em uma democracia, que não acreditava naquilo, que eles podiam me matar, mas eu não ia sair de minha casa. Paguei para ver e vi.

– O que aconteceu naquele domingo de agosto de 2001?

OR Cerca de 50 policiais encapuzados e armados atiraram em direção a minha casa. Estávamos todos dormindo. Minha luz e telefone foram cortados e esses homens andavam em cima do telhado. Foi uma cena de horror. Na hora, peguei o celular e liguei para a desembargadora Telma Brito (hoje presidente do Tribunal de Justiça). Eu liguei e gritei para eles que eu estava ao telefone com a desembargadora. Foi isso que fez com que eles recuassem da idéia de me matar.

E essas pessoas foram punidas? O que aconteceu?

OR – Entrei com processo contra o Estado na 5ª Vara da Fazenda Pública e ganhei uma ação de indenização julgada em 9 de julho do ano passado.

Qual o valor da indenização?

OR – Deve estar em torno de R$ 900 mil, mas não quero esse dinheiro.

Por quê?

OR – Foi um episódio muito triste, que me traumatizou. Não tenho interesse em bens materiais, quem me conhece sabe disso. Vou doar esse dinheiro a uma instituição de caridade.

Então por que entrou com ação na Justiça?

OR – Entrei porque achei um desaforo o que fizeram comigo e com minha família, já que meus filhos estavam na casa no dia da invasão. Na época, inclusive, o atual governador Jaques Wagner e muitos políticos do PT e outros partidos de esquerda, foram hipotecar solidariedade. O próprio Lula, que ainda não era presidente, também se solidarizou comigo. Tenho até foto com ele.

E como surgiu a sua ligação com o narcotraficante Gustavo Bautista Duran?

OR – Bom, em agosto de 2001 arrobaram minha casa. Em setembro eu entrei em férias. Quando voltei à contra gosto, porque eu estava com trauma do que tinha acontecido, a polícia prendeu entre seis e oito pessoas numa fazenda. A Polícia Federal foi a essa fazenda porque havia recebido uma denuncia de que havia trabalho escravo. Chegando lá eles encontraram uma pessoa com cocaína, acho que 100 gramas. Pois bem, eles levaram essas pessoas presas e deixaram uma criança de dois anos sozinha na casa. Um dos funcionários a viu e a levou para o cartório.  Eu me sensibilizei com o caso da criança e tentei resolver a situação. Se preciso fosse, eu teria levado a criança para minha casa, já que o pai e mãe estavam presos. Chegou um advogado de São Paulo para levar a criança e comunicou que o cidadão era usuário de drogas. Eu avisei que eles iam ficar presos e a criança eu teria que mandar ir embora. O advogado entrou com pedido de habeas corpus, o TJ mandou soltar. O MP não ofereceu denúncia dentro do prazo legal. É bom frisar que os prazos de processos envolvendo tráfico de droga são curtos. O promotor, dono da ação penal, pediu a absolvição dele.

A senhora teve seu telefone grampeado na época desses episódios. Há alguma ligação que a incrimine?

OR – Entre 2001 e 2003 meu telefone estava grampeado. Foi quando eu fui até o desembargador Carlos Alberto Dutra Cintra e informei o fato. Foi aí que foram descobertos todos os grampos da época, como os dos deputados Nelson Pelegrino (PT) e Geddel Vieira Lima (PMDB).  Eu fui a Brasília informar isso que estava acontecendo.

Como a senhora suspeitou que seu telefone estava sendo grampeado?

OR – Tudo o que eu conversava era publicado no jornal Correio da Bahia. Foi até o meu advogado Arx Tourinho (falecido em 2005) que chamou minha atenção para isso. Eu então oficiei a Telemar (atual Oi), que me mandou um relatório em que apontava que haviam feito um grampo no meu telefone. A partir disso, Arx e eu resolvemos falar besteiras ao telefone para ver até que ponto ia a sordidez do Correio da Bahia.

Que tipo de coisas?

OR – Numa das gravações eu disse a Arx que eu iria abandonar o cargo de juíza e ser candidata a deputada pelo PT, o que foi publicado pelo jornal. Certa feita eu liguei para uma amiga de Valença e disse ‘fui ao motel e você não sabe com quem eu me bati lá: com Kátia Alves e César Borges’; foi numa dessas brincadeiras que eu disse que ‘Sérgio Moyses (na época secretário da Administração) estava namorando com Tereza Mata Pires (filha do falecido senador Antonio Carlos Magalhães)’.

E nesse período nenhuma ligação para Bautista?

OR – Bom, foi que aí que entrei com representação no Tribunal de Justiça da Bahia questionando se eu tivesse algum contato com esse homem e por que então nada a parecia nos grampos? Essa representação sumiu dos autos.

Bom, mas em 2007 quando acusaram a senhora de ter ligação com Bautista falaram de uma gravação em que a senhora agradecia umas uvas que recebera dele.

OR – Agradeci, sim, as uvas que ele mandou. Umas uvas ótimas, sem caroço. Mas veja bem, a prisão dele foi em 2001 e essas uvas foram enviadas a mim e ao cartório em que trabalhava em 2006. Eu já tinha saído de Juazeiro e estava em Itacaré. Eu agradeci as uvas, mas a Polícia Federal acha que isso é um código para cocaína. Em 2005, eu coloquei minha casa de Itacaré a venda porque queria comprar o apartamento onde moro atualmente. Quando estava lá, chegou Gustavo Bautista e disse que sabia que a casa estava à venda e que tinha interesse de comprar. Tudo foi feito legalmente. O apartamento foi comprado do desembargador Lourival Trindade. Foi quebrado meu sigilo bancário e não encontraram nada. Toda a transação foi feita pelo meu ex-marido Baldoino Santana. Ele e Bautista tinham contato, meu ex-marido estava negociando um avião. Inclusive, vários políticos, a exemplo de Josias Gomes, usaram o avião de Bautista, mas sem saber que ele tinha ligação com o narcotráfico. Para todo mundo ele era um empresário, que empregava muita gente em Juazeiro, que andava na Fenagro.

A senhora na época falou que Kátia Alves, então secretária de Segurança da Bahia, era conivente com o roubo de carga. Essas suas queixas contra a ex-secretária tiveram algum impacto em todas essas coisas que aconteceram?

OR – Foi a partir disso também. Havia uma carta precatória do irmão dela na minha mão. Entrei em contato com a Secretaria de Segurança e pedi os antecedentes criminais dele. Meu pedido foi negado. Fui ao SAC e peguei as informações. Foi então que descobri que ele tinha envolvimento com o tráfico. Ela me representou na Justiça.

Tudo isso aconteceu em outra época, de outras forças políticas no Estado, mas o processo de perseguição continua. É isso?

OR – É um grande jogo. Aqui não existe oposição. Tudo o que o governador manda para a Assembleia Legislativa é aprovado. A situação está séria.

Na época em que a senhora estava na linha de frente combatendo o banditismo no norte do Estado havia uma oposição aguerrida.

OR – Verdade. Tinha muita gente boa, como Moema Gramacho, Alice Portugal, Walter Pinheiro….

Com esse livro a senhora não tem medo de sofrer algum tipo de sanção?

OR – Eu já respondo a um processo administrativo. O máximo que pode acontecer com o juiz é a aposentadoria e isso eu já pedi. Quero me aposentar. Não quero mais voltar ao Tribunal de Justiça. Uma andorinha só não faz verão. Não adianta nadar, nadar e morrer na praia.

Como está o processo a que a senhora responde?

OR – Voltou a estaca zero.

– Como assim? Depois que tudo isso passar, o que senhora pretende?

OR – Vou entrar com ação de reparação contra todos. Contra o Estado, contra União.

A senhora parece estar em uma briga solitária. Quem são seus aliados?

OR – Meus amigos juízes fazem torcida por mim, mas são covardes. Eles mandam documentos para mim, trazem gravação do pleno para eu escutar, mandam cartões, ligam para saber se eu estou bem. Mas quando eu os encontro nos corredores do Tribunal, eles fingem que não me conhecem.

São amigos, mas nem tanto.

OR – São amigos, mas não querem passar pelo que eu estou passando. Quem me viu na UTI não quer passar por isso.

Mas os juízes não devem ser destemidos?

OR – Sim, mas olhe a quantidade de processo que eu respondo. Ruy Barbosa já dizia desde aquele tempo: ‘Não cabe a covardia e o medo’. Respondo até processo porque disse em algum lugar as palavras de Ruy Barbosa.

Entrevista concedida aos jornalistas Edson Miranda e Cíntia Kelly, do site Bahia Todo Dia. 

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