A Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, em Feira de Santana, foi local de comemoração no último sábado (27) pelo centenário de nascimento do escritor feirense Eurico Alves Boaventura. O trabalho desenvolvido por Eurico Alves esteve voltado ao resgate da cultura sertaneja em Feira de Santana e outros municípios do semi-árido baiano. Poeta raro, Eurico Alves também deixou um legado para as novas gerações refletirem sobre os seus versos.
A louvação foi organizada pela Academia Feirense de Letras (AFL), Núcleo de Preservação da Memória Feirense e pela Fundação Senhor dos Passos. Durante a solenidade, o integrante da AFL, Carlos Alberto Kruschewsky, prestou homenagens ao escritor.
Na ocasião, também aconteceu o lançamento do CD “Poetas Feirenses – Especial 100 Anos de Eurico”, que foi distribuído gratuitamente. O CD, com capa e apresentação de Juraci Dórea, contém declamação de 25 poemas nas vozes de Eduardo Kruschewsky, Sérgio Barros, Antonio Carlos Cerqueira, Nivaldo Cruz e o professor Custódio.
Dados de Eurico Alves Boaventura
Nascido em Feira de Santana em 1909, Eurico Alves Boaventura formou-se em Direito e depois deu inicio à sua carreira como juiz. Dentre as suas obras, destaca-se o livro “Fidalgos e Vaqueiros”, que relata a vida no sertão, o cotidiano do homem sertanejo e a relação campo e cidade.
Eurico Alves atuou em várias áreas de conhecimento e atualmente é patrono da Sala do Couro do Museu Casa do Sertão, localizado no campus da UEFS, onde são expostas peças que rememoram a civilização do couro. Em 2007, foi lançada pela UEFS Editora, com organização da filha do escritor, Maria Eugênia, a obra de Eurico Alves “A paisagem Urbana e o Homem – Memórias de Feira de Santana”.
No Museu Casa do Sertão está implantado o Memorial Eurico Alves Boaventura, com a obra e o acervo do escritor feirense, doados pela viúva Maria Luiza e os filhos.
Por Carol Seixas
Abaixo, um dos belos poemas deixados por Eurico Alves:
Canção melancólica
Agora, sobre a vila, há uma doçura casta,
na conversa banal das meninas à janela,
pondo uma nota de melancolia na hora mansa.
A melancolia da vilazinha absorta, sem vaidade…
Melancolia das ruas vazias, das praças ermas e nuas,
quando o sol é como um vinho velho para o meu paladar
e o riso das crianças, na tarde, lembra rosas orvalhadas
e se desprende este cheiro ingênuo de vestidos engomados
dos grupos de moças nas janelas discretas…
As andorinhas estão tecendo redes para a noite dormir.
Melancolia da tarde, quando passam crianças despreocupadas,
cheirando a água de chuva e sabonete barato,
após o banho vesperal…
Melancolia da tarde cheia de adolescentes que se benzem e rezam,
ao dobre sonâmbulo do sino…
Eu devia ser puro assim e ter a coragem clínica de rezar, ao crepúsculo.
Melancolia dos senhores cansados com modestos pacotes de massa,
indo para a casa, onde tirarão o casaco, imediatamente,
arregaçarão as mangas da camisa
e terão um suspiro de alívio e de cansaço…
Melancolia das mesas postas nas salas em penumbra
e das donas de casa ainda de óculos, costurando…
Melancolia da vila sem nenhuma sombra de maldade…
A noite desce. Passam agora mulheres pintadas de crepúsculos.
Quanta pureza! Até o pecado é puro na vila sossegada.
Serei, por acaso, o único mau na vila?
Melancolia dos crepúsculos doces, quando há uma lágrima
e um romance humilde numa canção sentimental…
Melancolia dos cumprimentos educados, infalíveis:
– Boa noite, Dr., – Boa noite… – Até amanhã.
Até amanhã para começar tudo de novo,
esta deliciosa melancolia de viver na vilazinha.
Em mim, esta melancolia se espalha
como o rumor de uma canção contada por mulher,
ou a doçura de um beijo ardente sobre os lábios…
A melancolia da vila sem nenhuma da vila sem nenhum vislumbre de maldade…
Capivari, 12 de abril de 1935.
(In:ALVES,Eurico.Poesias. Salvador: Fundação das Artes/EGBA, 1990, p.131-132)